Pequeno Manual do Anarquista Individualista — Émile Armand

Pequeno Manual do Anarquista Individualista

Autor: Émile Armand

Data: 1911

I

Ser anarquista significa negar a autoridade e rejeitar seu corolário econômico: a exploração. Isso se aplica a todos os domínios em que a atividade humana se exerça. O anarquista quer viver sem deuses nem mestres; sem patrões ou diretores; fora da lei, sem submeter-se a normas ou preconceitos; e amoral, livre de obrigações e convenções coletivas. Ele quer viver livremente, viver de acordo com sua concepção pessoal da existência. É um anti-social, um refratário, alguém à margem, um inadaptado. Mesmo quando obrigado a viver em uma sociedade cuja constituição repugna ao seu temperamento, o faz como um estrangeiro, acampando provisoriamente. Quando consente ao meio as concessões indispensáveis — sempre tendo como segunda intenção retomá-las — para não arriscar ou sacrificar de maneira idiota ou inútil sua vida, é por considerá-las armas de defesa pessoal na luta pela existência. O anarquista busca viver sua vida moral, intelectual e economicamente, preocupando-se o mínimo possível com o restante do mundo, seja com exploradores ou explorados. Ele não deseja dominar nem explorar o outro, mas está sempre pronto a reagir contra qualquer tentativa de intervenção em sua vida ou de repressão à sua expressão, seja por meio da escrita ou da fala.

O anarquista identifica como inimigo o Estado e todas as instituições que visam perpetuar o domínio sobre o indivíduo. Não há possibilidade de reconciliação entre o anarquista e qualquer forma de sociedade baseada na autoridade, seja ela proveniente de um autocrata, de uma aristocracia ou de uma democracia. Da mesma forma, não há entendimento possível com sistemas regidos pelas decisões de uma maioria ou pelos desejos de uma elite. O anarquista combate tanto o ensino oferecido pelo Estado quanto o disseminado pela Igreja. É adversário dos monopólios e privilégios de qualquer natureza, sejam intelectuais, morais ou econômicos. Em suma, ele é o antagonista irreconciliável de qualquer regime, sistema social ou ordem que signifique a dominação do homem ou do meio sobre o indivíduo, bem como a exploração do indivíduo pelo homem ou pelo meio.

A obra do anarquista é, sobretudo, uma obra de crítica. Ele semeia a revolta contra tudo o que oprime, limita ou impede a livre expansão do ser individual. Seu objetivo é libertar as mentes das ideias preconcebidas, desvencilhar os temperamentos do medo e estimular mentalidades livres de preocupações com o “que vão dizer” ou com as convenções sociais; depois, o anarquista incita aqueles que escolhem segui-lo a rebelar-se contra o determinismo do meio social, afirmarem-se individualmente, esculpirem sua estátua interior e tornarem-se, na medida do possível, independentes do ambiente moral, intelectual e econômico. Ele encoraja o ignorante a buscar instrução, o passivo a reagir, o fraco a se fortalecer e o oprimido a se reerguer. Incita os menos favorecidos a extraírem de si próprios todos os recursos possíveis, sem depender de outros.

Um abismo separa o anarquismo do socialismo, sob qualquer de suas formas, incluindo o sindicalismo.

O anarquista coloca na base de todas suas concepções de vida: o fato individual. E é por isso que ele se denomina de bom grado anarquista-individualista.

Ele não acredita que os males que afligem a humanidade derivem exclusivamente do capitalismo ou da propriedade privada. Para ele, a raiz dos problemas está, sobretudo, na mentalidade defeituosa dos homens como um todo. Os mestres existem porque há escravos; os deuses persistem porque há fiéis que se ajoelham. O anarquista individualista não se interessa por uma revolução violenta que tenha como objetivo transformar o modo de distribuição de produtos em uma direção coletivista ou comunista. Para ele, tal mudança pouco alteraria a mentalidade geral e não contribuiria para a emancipação do indivíduo. No regime comunista, o indivíduo continuaria subordinado aos caprichos do meio, tão pobre e miserável quanto antes. Em vez de se curvar à pequena minoria capitalista atual, estaria submetido ao conjunto econômico. Nada lhe pertenceria de fato. Seria apenas um produtor, consumidor, contribuinte ou usuário de um patrimônio comum, jamais um ser autônomo.

II

O anarquista individualista se diferencia do anarquista comunista por considerar (excluindo-se a propriedade dos objetos de prazer que formam um prolongamento da personalidade) a propriedade do meio de produção e a livre disposição do produto como a garantia essencial da autonomia da pessoa. É evidente que essa propriedade se limita à possibilidade de fazer valer (individualmente, por casais, por agrupamento familiar, etc.) a extensão de solo ou o instrumental de produção indispensável às necessidades da unidade social; com a reserva, para o proprietário, de não fazer arrendamentos a outros e de não recorrer, para sua valorização, a ninguém a seu serviço.

O anarquista individualista também rejeita viver “a qualquer preço”, como fazem tanto o individualista explorador quanto aqueles que aceitam a regulamentação desde que suas necessidades básicas — alimento, vestuário, moradia — estejam garantidas.

Além disso, ele não defende um sistema que estabeleça controles sobre o futuro. Sua posição é de legítima defesa em relação a qualquer ambiente social — Estado, sociedade, meio ou agrupamento — que admita, aceite, perpetue, sancione ou torne possível:

a) A subordinação do indivíduo ao meio, o que o coloca em estado de inferioridade evidente, impedindo-o de se relacionar com o coletivo de igual para igual, de potência a potência.

b) A imposição de ajuda mútua, solidariedade ou associação como obrigações, em qualquer âmbito;

c) A privação da posse individual e inalienável do meio de produção, bem como da total e irrestrita disposição dos produtos do próprio trabalho;

d) A exploração de uma pessoa por outra, obrigando-a a trabalhar para o lucro e benefício de terceiros;

e) O acúmulo de recursos além do necessário para a manutenção normal de um indivíduo, casal ou agrupamento familiar;

f) O monopólio do Estado ou de qualquer forma executiva que o substitua, ou seja, sua intervenção no papel centralizador, administrador, diretor, organizador, nas relações entre os indivíduos, independentemente do domínio em que isso ocorra;

g) os juros, a usura, o ágio, a especulação, a herança, etc., etc.

III

O anarquista individualista faz “propaganda” com o objetivo de selecionar temperamentos anarquistas-individualistas que se ignoram, buscando criar um ambiente intelectual favorável para sua expressão. Entre anarquistas individualistas, as relações são estabelecidas com base na “reciprocidade”. A camaradagem é essencialmente individual e nunca imposta. É um “camarada” aquele cuja convivência agrada pessoalmente, que faz um esforço genuíno para vivenciar a existência, que participa da propaganda crítica, educativa e seletiva, e que respeita o modo de vida de cada um, sem impedir o desenvolvimento de quem caminha com ele ou daqueles que o tocam de mais perto.

O anarquista individualista não é escravo de fórmulas fixas ou textos consagrados. Ele só aceita opiniões. Propõe apenas teses. Ele não se impõe um ponto de chegada. Caso adote um método de vida para determinada situação, é porque esse método lhe proporciona maior liberdade, felicidade e bem-estar, e não sacrifícios. Ele modifica ou abandona esse método assim que percebe que sua continuidade compromete sua autonomia. Não se deixa dominar por princípios estabelecidos a priori; ao contrário, suas regras de conduta são moldadas a posteriori, a partir das experiências vividas, jamais definitivas, estando sempre sujeitas a mudanças sugeridas por novas vivências ou pela necessidade de adquirir novas armas na luta contra o meio. Sem tampouco tornar o a priori um absoluto.

O anarquista individualista só responde a si mesmo por suas ações e decisões.

Para ele, a associação é apenas um expediente, um último recurso. Ele só deseja associar-se em caso de necessidade urgente, e sempre de forma voluntária. Além disso, evita fazer contratos, mas, se o faz, prefere que sejam de curto prazo, com a compreensão implícita de que podem ser rescindidos a qualquer momento, caso se tornem prejudiciais a uma das partes.

O anarquista individualista não prescreve uma moral sexual determinada. Cabe a cada um determinar sua vida sexual, afetiva ou sentimental, o que vale tanto para um quanto para o outro sexo. O essencial é que, nas relações íntimas entre anarquistas, não haja violência nem coerção. Ele acredita que a independência econômica e a possibilidade de a mulher decidir livremente sobre a maternidade são condições iniciais para sua emancipação.

O anarquista individualista quer viver, quer poder apreciar a vida individualmente, a vida considerada em todas as suas manifestações. Mantendo-se, entretanto, mestre de sua vontade, considerando como servidores colocados à disposição de seu “eu” seus conhecimentos, suas capacidades, seus sentidos, os múltiplos órgãos de percepção de seu corpo. Não é um medroso, tampouco se submete. Reconhece que quem se deixa levar por suas paixões ou é dominado por suas tendências se torna escravo delas. Por isso, busca conservar o controle sobre si mesmo, lançando-se às aventuras que lhe convém à sua independência e ao livre exame. Ele valoriza uma vida simples, o desapego das necessidades superficiais e inúteis, a fuga das grandes aglomerações humanas, uma alimentação racional e a higiene corporal.

O anarquista individualista demonstra interesse por associações formadas por camaradas que compartilham do desejo de se libertar da opressão de um meio que lhes causa repulsa. A recusa ao serviço militar e ao pagamento de impostos, as uniões livres ou plurais como protesto contra a moral convencional, o ilegalismo, enquanto ruptura violenta — ainda que sob certas reservas — de um contrato econômico imposto pela força; a abstenção de qualquer atividade ou função que implique na manutenção ou consolidação do regime intelectual, ético ou econômico imposto; a troca de produtos de primeira necessidade entre anarquistas-individualistas possuindo instrumentos de produção necessários fora de qualquer intermediário capitalista, são atos de revolta que convêm essencialmente ao caráter do anarquismo individualista.

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